2 de outubro de 2016

Isabella - Capítulo 7: Enfim, boas notícias



Eu mal consegui pregar os olhos durante a noite. Na companhia do controle remoto, zapeei pelos canais a procura de notícias mais atualizadas sobre o acidente de avião, mas não havia nada de novo. Nenhum progresso nas buscas. Durante o expediente também não foi diferente. Entre uma aula e outra, acessei aos sites dos principais jornais internacionais, mas até mesmo eles estavam sem novidades. Minha única opção foi esperar até o horário do meu almoço, quando finalmente iria ao consulado. Já havia deixado tudo resolvido no trabalho também. Conversei com Caio, meu chefe, e lhe expliquei toda a historia. Claro que ele não acreditou no início, mas depois de alguns minutos e ver uma fotografia de Friedrich, ele finalmente se convenceu de que eu era a cópia fiel do rei.
— Vou ter que acrescentar ao currículo da ONG que uma de nossas voluntárias era a filha de um rei. — ele riu, ainda balançando a cabeça, incrédulo, diante da fotografia na tela de seu laptop. — Como a sua mãe pode esconder isso de você por tanto tempo?
— Talvez porque ela quisesse evitar reações como essa. — nós rimos e logo depois fui dispensada e liberada para resolver tudo o que precisava sem me preocupar em voltar a tempo para o fim do expediente.

Depois de uma madrugada praticamente insone e nenhuma novidade sobre o acidente, cheguei ao consulado. Fui submetida a uma série de entrevistas, onde avaliaram o meu nível de inglês, minha condição financeira e os motivos que me levaram a fazer aquela viagem. Eu não podia falar que era a filha do rei. O que certamente tornaria tudo menos burocrático e mais rápido. Mas minha certidão de nascimento tinha um espaço em branco onde o nome de Friedrich deveria estar escrito e com certeza as cartas trocadas pelos meus pais, não comprovaria nada. Porém, felizmente consegui a autorização do meu visto. Eu estava liberada para ir a Ladônia.
A ida ao consulado levou menos tempo do que eu imaginava, o que foi ótimo, já que ainda precisava comprar a minha passagem e resolver algumas coisas com Alice e sua mãe. Segui em direção a Praça XV e aguardei. A próxima barca só sairia às quatro da tarde. Comprei umas revistas na banca de jornal e fiz um lanche na lanchonete do terminal sabendo que aquela era a minha primeira refeição do dia. E não era nada saudável.
Em apenas um mês, toda a minha vida havia mudado. Perdi minha mãe para o câncer, o que me fez rever os meus hábitos, mas ganhei um pai. Pai este que durante anos não nutri esperanças de conhecer e que fazia um péssimo julgamento a seu respeito. Nosso primeiro (e único) encontro não foi em um momento de alegria. Minha mãe tinha acabado de morrer e eu levei um bom tempo para processar a informação. Depois de tantos anos sem ao menos saber o nome, descobrir quem é o seu pai e que ele nada mais é que o rei de uma nação é de fazer qualquer um tremer nas bases. O irônico nisso tudo é que antes eu não queria ouvir falar em partir para Ladônia e agora, aqui estava eu, disposta a fazer de tudo para estar perto de Friedrich e lhe dar apoio neste momento. Eu queria que alguém tivesse feito isso por mim. Não que Ângela e Alice não o tivessem feito. Eu sou grata a elas por isso, sério, mas não era a mesma coisa.
E agora tinha Laura. Aquela mulher mexeu comigo. Havia algo nela que eu não sabia explicar. Ela me transmitia paz e no meio do caos em que eu me encontrava quando nos conhecemos, ela me ofereceu conforto com suas poucas palavras. Deus, permita que ela esteja bem. Ofereci uma prece silenciosa e segui com os outros passageiros para a plataforma de embarque quando os portões se abriram.
Uma brisa fria soprava do mar e uma chuva forte caiu sobre nós. Sempre tive muito medo das chuvas que caíam durante a travessia da barca. Não é o meu meio de transporte favorito, mas como estava tendo uma manifestação que fechou toda a Avenida Presidente Vargas, não queria passar horas fechada dentro de um ônibus lotado.
— Droga! Maldita mania de trocar de bolsa. — praguejei inconformada com a ideia de me molhar toda por ter esquecido o guarda-chuva na outra bolsa.
— Esse lugar está vago?
Olhei para cima e vi Matheus de pé. Seu terno claro estava com o lado direito salpicado de gotas de chuva. Ele ajeitou a mochila nos ombros aguardando a minha resposta.
— Eu estava sentado na janela, mas a chuva estava forte demais. — explicou, justificando o motivo para a mudança de lugar. — Então, posso?
— Claro. A barca é um local público. — grunhi, agradecendo por as cadeiras serem individuais e pelos braços que separavam umas das outras. O que limitaria seus movimentos caso ele tentasse algo ousado.
— Obrigado.
Eu não estava interessada em uma conversa amigável e informal com Matheus, então pesquei meu iPod do fundo da bolsa e tapei meus ouvidos com os fones, colocando o volume mais alto que os meus tímpanos pudessem suportar. Pelo canto do olho, percebi que ele me encarava e cada virada de página que eu dava em minha revista era seguida por seus olhos atentos. Continuei ignorando-o até que toda aquela avaliação tornou-se insuportável.
Tirei os fones.
— O que foi? — não esperava que meu tom soasse tão rude, mas depois do que Alice me contou ontem, isso era o máximo que ele teria de mim.
— Estou preocupado com você.
— Sério? — sarcasmo nível máximo. — Não vou tentar suicídio me jogando de uma barca em movimento porque o meu namorado, agora ex, me traiu com a garota que eu mais detesto na vida. Por me fazer parecer ridícula na frente da faculdade inteira ao ser vista na companhia dele depois de tudo o que ele fez. — meu tom subiu umas oitavas e alguns passageiros viraram as cabeças para ver o que estava acontecendo. — Então, poupe-me das suas preocupações. Elas são totalmente desnecessárias.
— Vejo que você e Alice conversaram, então. — ele abaixou a cabeça examinando as mãos. — Eu não queria que aquilo tivesse acontecido. Eu te expliquei o que houve...
— Não explicou, não. Você mentiu. — acusei. A raiva dominando meus olhos. — Você sabia o que havia acontecido com a minha mãe e mesmo assim fez o que fez. Foi imperdoável, Matheus.
— Podemos, ao menos, sermos amigos?
— Não acho que você tenha o direito de me pedir isto.
— Por que não? — questionou ele puxando o fone que eu havia acabado de colocar no ouvido. — Acho que esta é a única relação que se encaixa bem para nós. Você sabe disso.
— Vou pensar no assunto. — prometi. — Mas não vai ser hoje e nem agora. Tenho coisas mais importantes para resolver e acho que vamos ficar um bom tempo sem nos ver.
— Do quê você está falando?
— Nada. — desconversei colocando os fones de volta no ouvido e aumentando o volume.

— Não! — exclamei irritada olhando para a tela do computador. — Isto não pode estar acontecendo.
Ângela entrou no escritório — o quarto de hóspedes que minha mãe havia convertido em escritório anos atrás para trabalhar e guardar todos os seus documentos — com um pano de pratos no ombro enxugando as mãos no avental.
— O que houve?
— Todos os voos para Ladônia foram suspensos e não há previsão de quando estarão disponíveis. — joguei o corpo para trás, batendo as costas com força no encosto da cadeira. — Só pode ser algum tipo de castigo.
— Não diga isso, querida. Pode ser alguma pane no site da companhia. — disse Ângela massageando meus ombros. Suas mãos cheiravam a alho e cebola e eu me senti culpada por ela estar se encarregando da minha alimentação com mais frequência que o necessário. — Por que não descansa um pouco e tenta novamente mais tarde?
Acatei ao seu pedido e desliguei o computador. Mas acontece que, nem naquele dia e em nenhum outro, ao longo da semana, eu consegui comprar o raio da passagem. Continuei acompanhando o andamento das buscas pelo noticiário, mas o nome de Laura não fora citado uma única vez naquela semana. Finalmente, na sexta-feira, as equipes de buscas tinham localizado o grupo que se abrigara na mata. Uma imagem feita no momento do resgate fora passada enquanto o jornalista narrava os acontecimentos. A cada pessoa que saía em meio às árvores acompanhadas pelos membros da equipe de salvamento, uma salva de palmas eclodia e uma equipe médica de prontidão ia ao encontro das vítimas.
Minhas esperanças já estavam por um fio, quando finalmente o jornalista dera a notícia que me perturbara desde que soube do acontecido.
— Após dias de incansáveis buscas, finalmente a rainha Laura de Ladônia foi encontrada. — disse o repórter com empolgação. — Apesar de alguns ferimentos superficiais e muito debilitada pelos dias de refúgio na mata fechada, a rainha passa bem. Ela já foi medicada e hoje a noite ainda partirá em um avião particular da família real para Ladônia. Agora vamos falar com Melissa Fortes que está em frente ao Palácio di Plázio e nos dará mais informações.
A imagem foi cortada e o link para a outra repórter foi aberto. Mesmo com a chuva forte que caía a população ainda se aglomerava diante do palácio. Cartazes com frases de apoio a família real misturavam-se aos cânticos entoados pelo povo. A repórter surgiu diante da tela, abrigada em uma capa de chuva amarela. 
— A expectativa pela chegada da rainha é grande aqui, Otto. — disse ela, com um sorriso. — Segundo o boletim médico, a rainha passa bem e apenas um repouso e descanso lhe foram receitados. A rainha Laura voltava de uma viagem de dois dias ao Oriente Médio, onde realizava sua costumeira compra de tecidos. Ela declarou que o incidente não a impedirá de retornar ao continente asiático outras vezes e que espera voltar lá em breve, já que toda a sua bagagem foi perdida no acidente. — a repórter riu e eu me peguei rindo com ela, embora estivesse com o rosto umedecido pelas lágrimas. — Ela não perde o bom humor nunca. É por isso que ela é uma das pessoas mais queridas de seu país. É com você, Otto.

1 de outubro de 2016

Isabella - Capítulo 6: Dias de tensão



— Calma, Bella. Fala devagar. Eu não estou conseguindo acompanhar. — pediu Alice, do outro lado da linha. — Quando foi que isso aconteceu? Tem certeza mesmo que era ela?
— Mas é claro que tenho, Alice! Quantas Laura Zorcky, você conhece? Não estou louca. Foi o nome dela que o jornalista disse. — afirmei, abrindo a porta do meu apartamento e disparando para o meu quarto.
Peguei a mala de viagem no alto do meu armário e a abri sobre a cama despejando aleatoriamente minhas roupas ali dentro, enquanto desistia de equilibrar o celular entre o ouvido e o ombro, colocando-o no viva voz. Eu não fazia a mínima ideia de como chegaria à Ladônia, mas precisava fazer alguma coisa, já que Friedrich não retornava as minhas ligações. A cabeça dele devia estar a mil e eu não era a melhor pessoa para julgá-lo. Lembro que quando minha mãe morreu, eu não queria falar com ninguém. Queria que o mundo esquecesse a minha existência.
— Mas se fosse mesmo ela, o seu p... Quer dizer, o rei Friedrich, já teria entrado em contato, não?
— Não se ele estiver ocupado com as equipes de buscas. — falei desabando na cama, sentindo um aperto profundo e desconhecido no peito.
Laura e eu mal havíamos trocado meia dúzia de palavras quando nos conhecemos, mas ela me parecia ser uma pessoa boa e não merecia um final trágico como aquele. Assim como minha mãe, era muito injusto ela ser arrancada precocemente de sua família de uma maneira tão violenta.
Pensei em Friedrich e em tudo o que ele deveria estar passando naquele momento. Apesar de ele e minha mãe terem tido uma história no passado, percebi que ele amava a esposa. O sentimento entre eles era mútuo e, de certa forma, bonito de se ver. Uma lágrima tímida rolou em meu rosto, solidarizando-se com o sofrimento de Friedrich. Queria poder segurar em sua mão naquele momento, dar-lhe o apoio que ele precisava. Mas eu não estava lá! Ainda.
— Bella, você está aí? — chamou Alice, sua voz distorcida saindo do viva voz.
— Sim. Estou. — respondi num arremedo de voz.
— Ô, amiga... — Alice ficou em silêncio e percebi que, assim como eu, a notícia foi um baque para ela também. — Chego aí em cinco minutos.
Enquanto aguardava a chegada de Alice, terminei de arrumar a mala. A todo o instante as imagens que vi na TV na cantina da faculdade eclipsavam a minha visão. O avião caído, todo o lado direito da aeronave não era mais que um monte de metal retorcido e disforme, as fotografias das vítimas, os depoimentos dos sobreviventes... Um arrepio percorreu meu corpo. Liguei a TV do meu quarto na esperança de que o Jornal Nacional desse mais algumas informações sobre o acidente. Antes que as notícias do Brasil e do mundo fossem dadas, ainda precisei aguentar alguns minutos de novela das sete. Impaciente, fui até a cozinha preparar um café na cafeteira que Friedrich que me deu — o único presente dele que eu havia desembalado. Confesso que não fosse o meu vício pela cafeína, a máquina continuaria guardadinha no mesmo lugar.
Muitos comerciais depois, finalmente ouvi a familiar chamada do jornal e voltei para o quarto correndo. Já de cara, Willian Bonner, âncora do jornal, começou com a notícia sobre o acidente em Edimburgo e um link para o correspondente local foi aberto. O repórter começou com um resumo detalhado do acidente e que o laudo da caixa preta só ficará pronto no final do mês, mas que os técnicos não descartavam a possibilidade de que uma falha elétrica tenha sido a causa do acidente. Em meio às informações, finalmente ouvi o que mais me incomodava desde o momento em que soube do acontecido.
— As famílias das vítimas continuam aguardando pela divulgação oficial da lista de passageiros. — disse o jornalista. — A lista só saiu hoje, no final da tarde, e será anunciada agora a noite, através de um porta-voz da companhia, em uma coletiva marcada para as duas horas da manhã, horário local. Estima-se que, a bordo, havia cento e cinquenta passageiros. Entre eles: dois pilotos e cinco membros da tripulação. Até o momento, apenas vinte vítimas fatais foram confirmadas, cento e quinze feridos e quinze ainda desaparecidos. — enquanto o jornalista narrava, uma imagem aérea, acredito eu que, feita no inicio da tarde, era passada. — As equipes de buscas ainda estão circulando a área, mas a mata fechada atrapalha na localização das vítimas sobreviventes que se refugiaram na floresta.
Mais uma vez os nomes e as idades das vítimas fatais foram anunciados e foi com alívio que constatei que Laura não estava naquela relação. Mas ela tampouco estava na listagem dos sobreviventes feridos. Minha última esperança fiava-se no fato de que, talvez, o grupo que procurou abrigo na mata estivesse bem. Fisicamente, pelo menos. Como que para confirmar as minhas esperanças, o repórter continuou:
— Acredita-se também que a rainha Laura Zorcky seja uma das sobreviventes. O rei Friedrich Zorcky veio pessoalmente à Edimburgo e está participando ativamente junto com as equipes de busca. O povo de Ladônia está fazendo uma vigília diante do Palácio di Plázio, em oração pela vida da rainha.
 Naquele momento, Alice entrou no meu quarto. O rosto tão pálido quanto às velas do castiçal da mesa de jantar. Com os olhos cheios d'água, ela venceu a distância entre nós e me abraçou.
— Sinto muito, amiga.
Eu não sabia o que dizer. Laura não era nada minha, exceto a esposa de meu suposto pai e rainha de uma nação que a idolatrava como uma santa. Mas ainda assim, senti muita afeição por aquela mulher, que lembrava e muito a minha mãe, quando nos conhecemos. Alice afrouxou o abraço e afastou-se de mim. Seus olhos estavam úmidos.
— Ela está bem. — eu disse. Mas parecia que queria convencer a mim mesma disso.
— Eu sei.
— Então chega dessa choradeira e me ajude a levar esta mala para a sala. Vou deixar as chaves do apartamento com vocês. Amanhã vou ao consulado de Ladônia dar entrada no meu visto e... — calei minha tagarelice quando percebi que Alice não havia saído do lugar e eu estava falando sozinha e apenas as paredes do corredor pareciam me ouvir. Olhei para ela que encarava o chão, incapaz de olhar para mim. — Alice, o que houve?
Sabe quando você tem a impressão de estar vivendo um déjà vu? Não sei bem, mas tinha a sensação de ter visto aquela mesma reação não fazia muito tempo. Mas continuei aguardando por uma resposta dela, que parecia estar mais interessada nas unhas dos pés, pintadas num vermelho sangue, do que em me responder.
— Eu nem sei por onde começar, Bella. — o miado de um gato teria sido mais alto que o seu tom. — Para ser sincera, não queria ser eu a portadora desta notícia, mas sou sua amiga e me chateia ver as pessoas te sacaneando.
Rebobinando os acontecimentos do meu dia até aquele momento, sou transportada até a cantina, mais precisamente a uma mesa do fundo, onde Matheus e eu nos encontramos no final da tarde. Foi uma conversa semelhante, mas que não chegou a ser concluída devido à notícia que vi na TV e precisei sair de lá às pressas. Matheus não chegou a me dizer quem era a tal garota e alguma coisa me dizia que Alice sabia quem era. Daí, o que Matheus disse, começou a fazer sentido: Você não falou com Alice nos últimos dias, suponho.
— Alice, se tem alguma a ver com o Matheus, pode falar. Nós conversamos hoje.
— Eu não acredito que aquele safado teve a coragem de fazer isso com você. — falou irritada. Percebi que seus punhos se fecharam ao lado do corpo. — Eu disse a ele que contaria a você se ele não tomasse uma atitude. Mesmo sabendo do que aconteceu com a sua mãe, aquele cretino teve a coragem de sair com a Sheila.
Foi como levar um tapa sem mão ouvir o que Alice acabava de me contar. Durante o nosso encontro e até mesmo ao telefone, Matheus deu a entender que não sabia do que havia acontecido com a minha mãe. E agora fico sabendo que ele sempre soube! Então estava explicado a caixa de chocolates e o olhar mordaz de Rita hoje.
— Ele sabia?
— É claro que sabia, Bella. Todos os nossos amigos e alguns conhecidos também. Sua mãe era muito querida por lá, você sabe. Alguns até ficaram mais tristes por não poderem mais ir a uma festa organizada por ela do que por sua morte propriamente dita.
— E eu achando que estava sendo cruel por terminar com ele. Quanta estupidez!
— Você não sabe como fico feliz em saber que vocês terminaram. — disse ela, incapaz de esconder sua satisfação.
Não era segredo para ninguém que Alice não via meu relacionamento com Matheus com bons olhos. Eles já haviam namorado há algum tempo e, mesmo com todas as recomendações e contra e indicações de Alice, resolvi investir. Resultado: quebrei a cara bonito. Ela me lançou um olhar do tipo eu te avisei e colocou as mãos na cintura.
— Tá bom. Você estava certa. Satisfeita?
— Não. Mas você bem que poderia me dar ouvidos de vez em quando. — ela balançou a cabeça e pegou a minha mão. — Agora me conte, que história de acidente é essa.

Alice ficou boquiaberta com o que lhe contei e ela mesma estava chocada por não ter visto os noticiários nos últimos dias. Nem mesmo Ângela havia comentado (e olha que ela é a maior noveleira que eu conheço!). Assim como eu, Alice estava atolada de trabalhos da faculdade e estava se desdobrando para cobrir uma licença no trabalho. Uma das professoras precisou fazer uma cirurgia de última hora, pegando todos de surpresa, inclusive Alice, ao anunciarem que ela assumiria as suas turmas e as da colega afastada até que ela retornasse.
Contei a ela também dos meus planos de ir para Ladônia o quanto antes, tão logo meu visto fosse liberado e que por esta razão, não queria perder tempo com atividades demoradas como fazer as malas.
— Eu preferia que você estivesse indo para lá num outro contexto. — confessou Alice, servindo o café em duas xícaras enquanto eu tirava um tabuleiro de pães de queijo do forno. — Chegar lá assim, no meio dessa confusão não vai ser nada legal, ainda mais com o rei longe de casa. O que as pessoas vão pensar quando a vir chegando com uma mala e bradando aos quatro ventos que é a filha bastarda do rei?
— Não faço a mínima ideia. Mas não vou arrendar o pé de lá enquanto não conseguir falar com ele. — dei de ombros colocando um pão de queijo na boca e queimando a língua. — Vou me juntar ao grupo de orações na frente do palácio, se for preciso.
— Quem é você e o que fez com a minha amiga que estava determinada a não ter nenhum vínculo com a realeza de um país da Europa Ocidental, menor do que o estado de Sergipe? — Alice gargalhou e esticou a mão para pegar um pão de queijo do tabuleiro, mas eu a detive com um tapinha.
— Ela ainda está aqui. — declarei desanimada. — Mas não posso lhe negar solidariedade neste momento. Mesmo sem saber como seria recebido por mim, ele veio aqui, atendendo a um último pedido de minha mãe. É o mínimo que eu posso fazer, Alice.
Ela pegou a minha mão.
— Eu sei disso. E é por isso que me orgulho de ser sua amiga.